Nos Estados
Unidos, pesquisadores apresentaram os resultados de um ano de tratamento em
crianças com Palizaeus-Marzbacher, enfermidade que reduz a produção de mielina
no cérebro.
Transplante não
apresentou rejeição e indicou 'modestos avanços' nas habilidades motoras dos
pacientes
A mielina (em amerelo) ajuda na trasmissão de impulsos nervosos.
A doença de Palizaeus-Marzbacher é caracterizada pela falta da substância, causando a degeneração do sistema nervoso (iStockphoto)
Pela
primeira vez, um tratamento com células-tronco neurais
conseguiu aumentar a produção de mielina em crianças que sofrem de Pelizaeus-Marzbacher
(PMD, na sigla em inglês), uma doença degenerativa bastante rara.
O resultado
do transplante – e de um acompanhamento médico que durou um ano – foi publicado
nesta quarta-feira no periódico Science Translational Medicine e pode ser um primeiro passo para o
desenvolvimento de terapias para a falta de mielina no sistema nervoso.
A
pesquisa é um marco histórico na área. "Antes deste trabalho, não havia
evidências de que células-tronco neurais eram capazes de incorporar e funcionar
normalmente no cérebro", afirmou ao site de VEJA Nalin Gupta (leia a
entrevista abaixo), chefe de cirurgia neurológica do
departamento de pediatria do Benioff Children’s Hospital, da Universidade da
Califórnia, e um dos autores do artigo.
A mielina envolve as fibras
nervosas com a função de acelerar os impulsos nervosos. Dessa forma, uma disfunção
na produção de mielina faz com que os impulsos não sejam transmitidos de forma
adequada e debilita as funções neurológicas. As pessoas que nascem como
Palizaeus-Marzbacher, cuja transmissão é genética, não conseguem andar ou falar
e normalmente enfrentam problemas respiratórios; a degeneração do sistema
nervoso leva à morte entre os 10 e 15 anos de idade.
Uma
equipe do Benioff Children’s Hospital, da Universidade da Califórnia, em San
Francisco, transplantou em 2011 células-troncos neurais desenvolvidas pela
empresa norte-americana StemCells, patrocinadora do projeto, no cérebro
de quatro crianças diagnosticadas com essa doença neurodegenerativa.
Por meio
de ressonâncias magnéticas realizadas ao longo de um ano, a equipe médica
encontrou sinais de que as células implantadas (HuCNS-SC, derivadas do cérebro
de fetos) estavam recebendo sangue e nutrientes dos tecidos neurais. Além do
mais, os pesquisadores encontraram evidências indiretas de que as HuCNS-SC se tornaram
oligodendrócitos, justamente as células responsáveis pela
produção de mielina. David H. Rowitch, chefe de neonatologia no Benioff,
comparou o processo a "uma planta criando raízes."
"A
pesquisa nos dá uma importante prova para o princípio que aprova o uso de
células-tronco no tratamento de um amplo espectro de doenças relacionadas à
falta de mielina, como esclerose múltipla, paralisia cerebral e lesões na
medula espinhal", afirma ao site de VEJA a StemCells.
Caso
esse primeiro passo no futuro de fato resulte num tratamento viável, o número
de possíveis beneficiados é expressivo. Cerca de 400.000 pessoas têm esclerose
múltipla e outras 764.000 têm paralisia cerebral, só nos Estados Unidos. Apesar
dos tratamentos que diminuem a progressão da esclerose múltipla e da paralisia
cerebral, não existe cura para estas enfermidades.
Os testes realizados 12 meses
após o transplante revelaram que três das quatro crianças, que têm entre seis
meses e cinco anos de idade, apresentaram "avanços modestos" em
funções motoras e mentais em comparação com os exames anteriores ao
transplante. Uma delas, por exemplo, consegue agora dar alguns passos, com ajuda
de um adulto. Outra se alimentou oralmente, pela primeira vez, com comida
sólida.
Cautela – O estudo alerta que os
benefícios clínicos não podem ser necessariamente atribuídos à intervenção, já
que esta envolveu um reduzido número de participantes e não teve um grupo de
controle. "Mesmo assim, é um primeiro passo importante, que traz a
esperança de que o transplante de células HuCNS-SC possa ser capaz de atuar na
patologia fundamental no cérebro de pacientes com Palizaeus-Marzbacher",
afirma Nalin Gupta, do Benioff Children’s Hospital.
Se não pode ter seu efeito
clínico comprovado, a equipe do Benioff e da StemCells acredita ter demonstrado
que o transplante da célula HuCNS-SC é seguro. Isso porque, um ano após a
cirurgia, não há qualquer sinal de rejeição.
"Esse
ponto é bastante significante porque as células não pertenciam aos
pacientes", diz David Rowitch. Nalin Gupta, por sua vez, explica que as
crianças receberam um medicamento, por diversos meses, que é utilizado para
prevenir rejeições em pacientes que recebem transplante de órgãos sólidos.
Na opinião da professora Lygia
da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias
da Universidade de São Paulo (LaNCE-USP), a comprovação da segurança do
procedimento pode abrir as portas para outras investigações. "Num ensaio
clínico, a primeira coisa que você precisa mostrar é segurança. Isso pode
acelerar a aprovação, pelos órgãos reguladores, de testes em outras doenças,
como lesão de medula."
A imagem
mostra a injeção direta de células-tronco neurais no cérebro
Camundongos – Também nesta quarta-feira, uma pesquisa
complementar realizada pela StemCells — e também publicada na Science
Translational Medicine – reforça a tese do alto potencial
de mielinização da célula HuCNS-SC no sistema nervoso. As mesmas células-tronco
neurais foram implantadas em um tipo de camundongo incapaz de produzir um
componente-chave da mielina.
"Técnicas de análise sofisticadas foram
usadas para confirmar que as alterações observadas pelas imagens de ressonância
magnética derivavam da mielina humana gerada pelas células
transplantadas", diz a empresa.
"Os resultados demonstrados no
trabalho de Uchido (Nobuko Uchida, pesquisadora vice-presidente da StemCells
Biology e a cargo dos testes nos camundongos) confirmam que a as células-tronco
humanas transplantadas não só sobreviveram como produziram mielina. É possível
que algo muito semelhante ocorra no cérebro humano", afirma Nalin Gupta.
Dr. Nalin GuptaChefe de cirurgia neurológica do departamento de pediatria do Benioff Children’s Hospital e um dos autores do artigo Neural Stem Cell Engraftment and Myelination in the Human Brain
Como o senhor resumiria a contribuição que esse trabalho traz para o
estudo de células-tronco?
Antes deste trabalho, não havia evidências de que células-tronco neurais
eram capazes de se incorporar e funcionar normalmente no cérebro.
O que indica que as células-tronco transplantadas
estão produzindo mielina?
Como os pacientes com
Pelizaeus-Marzbacher não têm o isolamento normal (mielina) ao redor das fibras
nervosas do cérebro (axônios), nós pudemos explorar o fato de que
algumas técnicas de ressonância magnética são muito sensíveis a mudanças
que ocorrem quando os axônios são mielinizados.
Isto (mielinização) é comum no
desenvolvimento normal durante os primeiros anos de vida, mas não é algo que
esperamos de pacientes com a doença Pelizaeus-Marzbacher. As informações da
ressonância magnética, que são consistentes com mielinização, sugerem, portanto,
que as células transplantadas estão causando as mudanças.
O estudo poderia ser um primeiro passo para o
tratamento da doença de Pelizaeus-Marzbacher – ou outras doenças causadas pela
falta de mielina?
Ainda há muitas questões sobre a efetividade desse tipo de tratamento.
Certamente o objetivo de longo prazo para terapia com células-tronco é tratar
casos como esclerose múltipla ou Alzheimer, mas tal possibilidade é para o
futuro. Os resultados deste estudo certamente apoiam a realização de novas
pesquisas para analisar o uso dessas células em grupos maiores de pacientes,
para ver se conseguimos confirmar e expandir os atuais resultados.
Quais foram os “avanços modestos em funções neurológicas” observadas nas
crianças que receberam o transplante?
Todos os quatro pacientes têm a doença Pelizaeus-Marzbacher, que provoca
a perda de funções com o tempo. O nosso trabalho descreve como alguns desses
pacientes apresentaram avanços um ano após o transplante. Os avanços incluem um
melhor suporte do tronco ou a respiração sem a ajuda de um respirador. Um
paciente conseguiu dar alguns passos.
É importante ressaltar, no entanto, que qualquer resultado não pode ser
necessariamente atribuído ao transplante. Isso porque o teste envolveu um
número reduzido de pacientes e não houve um grupo de controle (pessoas com a
mesma doença, mas não submetidas ao tratamento, para efeitos de comparação). Um
outro estudo para testar a eficácia deveria ser conduzido.
Qual a relação do seu trabalho com o artigo da doutora Nobuko Uchida,
que testou a célula-tronco HuCNS-SC em camundongos?
Os dois estudos se complementam porque as mesmas células usadas no
tratamento com humanos foram transplantadas em camundongos com um distúrbio de
mielina semelhante. Como podemos estudar as mudanças que as células causam, com
muito detalhe, em camundongos, os resultados demonstrados no trabalho de Uchido
confirmam que a as células-tronco humanas transplantadas não só sobreviveram,
como produziram mielina. É possível que algo muito semelhante ocorra no cérebro
humano.
Saiba mais
CÉLULAS-TRONCO
Também chamadas de células-mãe, as células-tronco podem se transformar em qualquer um dos tipos de células do corpo humano e dar origens a outros tecidos, como ossos, nervos, músculos e sangue. Dada essa versatilidade, elas vêm sendo testadas na regeneração de tecidos e órgãos de pessoas doentes.
Também chamadas de células-mãe, as células-tronco podem se transformar em qualquer um dos tipos de células do corpo humano e dar origens a outros tecidos, como ossos, nervos, músculos e sangue. Dada essa versatilidade, elas vêm sendo testadas na regeneração de tecidos e órgãos de pessoas doentes.
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